sábado, 8 de agosto de 2009

EXTINÇÃO DO SENADO

ARTIGO - Paulo Queiroz

Extinção do Senado Federal
Uma reforma política que não seja simples estratégia para manter as coisas como estão, criando falsa impressão de mudança e perpetuando privilégios por meio de concessões meramente paliativas ou simbólicas, deve começar pela extinção pura e simples do Senado Federal. Há muito cessaram as razões históricas que supostamente o justificariam.
Conforme assinala José Afonso da Silva, o argumento da representação dos estados pelo Senado, que se fundava na idéia, inicialmente implantada nos EUA, de que se formava de delegados próprios de cada estado, pelos quais esses participavam das decisões federais, há tempo não existe nos EUA e jamais existiu no Brasil. Os senadores são eleitos diretamente pelo povo, tal como os deputados, por via de partidos políticos, motivo pelo qual os senadores integram a representação dos partidos tanto quanto os deputados e dá-se o caso não raro de os senadores de um estado serem de partido adversário do governador. Daí defenderem programa diverso. (Curso de Direito Constitucional Positivo, S. Paulo: Malheiros, 2001, p. 513).
Também porque a competência dessas casas para legislar é essencialmente a mesma (CF, arts. 48 e 49). A competência privativa do Senado (CF, art.52) poderia ser perfeitamente atribuída à Câmara Federal sem prejuízo algum ao sistema que se pretende democrático de direito. Mais: apesar de a retórica constitucional dizer que os deputados são “representantes do povo” e os senadores “representantes dos estados e do Distrito Federal” (CF, arts. 45 e 46), fato é que o critério de escolha é rigorosamente o mesmo para ambos, razão pela qual afirmá-lo constitui mero jogo de palavras. Aliás, eleitos que são essencialmente segundo os mesmos critérios, segue-se que uma casa legislativa acaba sendo inútil duplicada da outra.
Além disso, malgrado sejam eleitos pelo povo, o tratamento constitucional dispensado a deputados e senadores é duplamente desigual: primeiro, porque os membros do Senado têm mandato de oito anos, o dobro dos membros da Câmara; segundo, porque o voto de 81 senadores vale tanto quanto o de 513 deputados, estando o poder de decisão desigualmente distribuído, portanto. Não sem razão, Hans Kelsen afirmava que o sistema unicameral era bem mais condizente com a idéia de democracia porque o sistema bicameral, típico de monarquia constitucional e do Estado federal, é sempre uma atenuação do princípio democrático.
Não bastasse isso, historicamente quem de fato legisla e tem legislado no Brasil é o Poder Executivo, por meio de decretos, medidas provisórias etc., circunstância que, embora criticável, não pode ser ignorada. Aliás, parte desse desprestígio (frente ao Executivo) do Poder Legislativo deve-se à lentidão com que são ordinariamente apreciados e votados os projetos de lei.
Finalmente, abolido o Senado, instituído o sistema unicameral, dar-se-ia maior presteza ao processo legislativo, diminuindo sensivelmente a burocracia do Legislativo, sintonizando-o melhor com as permanentes mudanças dos dias atuais; evitar-se-ia ainda a edição de leis ultrapassadas (Códigos Penais, Civis etc.), tal a demora na tramitação dos projetos. Mais: economizar-se-iam nada menos que R$ 2,4 bilhões anuais, que é o seu custo (estimado) para os cofres públicos, sendo os servidores aproveitados noutras instituições.
Por último, a alegada função revisora que justificaria a existência da instituição poderá ser perfeitamente cumprida pela própria Câmara Federal, inclusive, quando necessário, por meio de votação em dois turnos. Mais: papel semelhante pode e tem sido feito por juízes e tribunais mediante o controle (incidental e direto) da constitucionalidade das leis.
Manter o Senado traduz, por conseguinte, mero respeito à tradição, luxo por demais caro para um país tão profundamente desigual como o Brasil

Paulo Queiroz
Professor universitário e procurador regional da República em Brasília

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