segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Deputado alagoano apresenta PEC extingue Senado e Câmara e cria sistema unicameral

Francisco Tenório diz que já conseguiu 190 assinaturas
por Assessoria

Deputado alagoano apresenta PEC extingue Senado e Câmara e cria sistema unicameral

O deputado federal Francisco Tenório PMN/AL anunciou que concluiu e que vai apresentar, na terça-feira (1/12) o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que extingue o Senado Federal e a Câmara dos Deputados transformando as duas casas em sistema unicameral e já funciona em vários países do mundo.

O parlamentar alagoano informou ainda que já conseguiu 190 assinaturas, quando para apresentar a PEC seria necessário apenas 170. Para ele esse fato já aponta que os deputados estão dispostos a abrir um grande debate sobre o sistema bicameral e a necessidade de unificar as duas Casas Legislativas, o que traria mais agilidade e contenção de despesas administrativas.

Indagado se a proposta tem algo haver com o desgaste que o Senado e a Câmara tem sofrido com os diversos escândalos, Francisco Tenório disse que não e que a proposta é fruto do aperfeiçoamento do sistema democrático representativo. Para ele a existência do sistema bicameral tem travado decisões importantes e em muitos casos as duas casas tem entrado em conflito na aprovação de projetos importantes, prejudicando a sociedade.

O texto da PEC será distribuído pelo deputado na próxima terça-feira, quando o deputado fará um pronunciamento da tribuna da Câmara sobre o assunto.

domingo, 8 de novembro de 2009

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

VOTO DISTRITAL


Você é a favor da proposta? Inicie a discussão deixando o seu resumo aqui. O deputado Samuel Moreira está defendendo junto à Executiva Estadual do PSDB o debate e o posicionamento do partido com relação à reforma política e voto distrital. Ele apresentou a proposta em reunião no dia 27 de abril e a Executiva deve pautar a discussão para os próximos encontros.

Líder do PSDB na Assembleia, Samuel entende que esse é o momento para se travar esse debate. A crise de imagem do Congresso e a generalização com os nomes dos deputados federais podem levar a um julgamento precipitado da sociedade. “Uma coisa está bem clara, dinheiro público só pode ser gasto em trabalho, mas os deputados não são todos iguais”, frisou.

Samuel acredita também que o eleitor deve ter condição de julgar melhor o seu deputado, o que ocorreria com o voto distrital. “O eleitor fará sua escolha através de debates, balanço do mandato, discutindo e cobrando. O voto distrital aproxima muito mais o eleitor do eleito”, disse. "O PSDB deve ser protagonista nesta questão, deve falar para a sociedade e seus militantes o que pensa sobre reforma política e voto distrital."

Autor da Frente Parlamentar em Defesa do Voto Distrital na Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado estadual Samuel Moreira, líder da bancada do PSDB, tem participado de uma série de reuniões e debates sobre o assunto. Samuel defende o voto distrital como forma de aperfeiçoamento do sistema eleitoral, permitindo ao eleitor saber quem é seu deputado e, assim, cobrar trabalho, transparência, soluções. “Se o deputado não corresponder, será substituído”, afirma.

Na opinião de Samuel Moreira há candidatos que, muitas vezes, sequer conhecem a cidade ou a região onde obtiveram votos e, portanto, se eleitos não têm qualquer compromisso com o eleitor daquela cidade ou região. Da mesma forma, há eleitores que, após as eleições, não sabem em quem votaram.

Com origem no Vale do Ribeira, onde tem grande parte de sua base eleitoral, o deputado Samuel Moreira lembra, por exemplo, que 250 candidatos receberam votos em Pariquera-Açu, cidade que tem cerca de 13 mil eleitores. “Alguns desses candidatos podem até ter sido eleitos mas nem o eleitor sabe que votou nele e nem ele tem compromisso com Pariquera-Açu”, analisa.

Na opinião de Samuel, o voto distrital muda radicalmente esse tipo de situação. São Paulo, que tem 94 deputados estaduais, terá 94 distritos eleitorais divididos pelo número de eleitores. Assim, cada distrito terá 300 mil eleitores. O Vale do Ribeira terá um distrito, a Baixada Santista terá dois e assim por diante.

Em cada distrito, os partidos políticos indicam os candidatos ou fazem coligações refletindo as relações partidárias e forças políticas regionais. No Vale do Ribeira, será eleito um deputado estadual e cada cidadão saberá quem é o representante da região. “Ao final do mandato, o deputado terá que prestar contas e se ele se envolver em escândalo, não trabalhar, enfim, se não corresponder às expectativas será substituído nas eleições seguintes”, observa.

A questão do voto distrital é matéria de decisão federal e há um projeto de lei, de autoria do deputado federal Arnaldo Madeira (PSDB-SP) em trâmite na Câmara Federal. “Defendo a aprovação desse projeto pois considero que a proximidade entre o representado e representante fortalece o poder político e a cidadania”, avalia Samuel Moreira.

Outro aspecto importante do voto distrital é a possibilidade de melhorar a qualidade dos políticos. “O sistema político está abalado por uma sucessão de denúncias e escândalos e a população, cada vez mais, perde a confiança nas representações políticas, como se todos fossem iguais. Precisamos promover mudanças que resgatem essa confiança e revitalizem a democracia e as instituições democráticas. Este é o momento oportuno para debater o voto distrital”, conclui o deputado.

Eu acho ótimo...voto facultativo e distrital!
[editar] Discurso contra a proposta:

Você é contra a proposta? Inicie a discussão deixando o seu resumo aqui.A representação dos estadosdos federativos, ou pior de regiões dos estados federativos, já existe mesmo dentro do modo de representação atual. Essa ocorrência já é uma desvirtuação do papel que deveriam ter, isto é, legislar para o bem do país, da nação, não para interesses particularizados, não importam quais sejam. A transformação dos deputados estaduais em meros despachantes já ocorreu com a constituição cidadã de 1988, não é possível que transformemos os deputados federais em meros despachantes também. Em muitas matérias diz-se que o voto distrital transformaria os deputados federais em vereadores, mas eu entendo que nem nisto, pois os vereadores são despachantes, ou seja meros interlocutores da população junto às prefeituras, assim como os deputados estaduais o são junto aos governos estaduais por falta de alternativa, porque querem, pois aos vereadores ainda sobrou poder para legislar sobre as leis municipais e possuem mais mobilidade para mexer no orçamento do município. Os orçamentos estaduais chegam prontos às Assembléias Legislativas e toda mudança é praticamente impossível pois quem manda é quem tem a chave do cofre, isto é, o Poder Executivo. Se aprovada a proposta do Voto Distrital, os deputados federais passarão todo o mandato peregrinando ao Executivo para pedir obras para suas bases eleitorais numa briga fraticida que impediria ainda mais olhar os interesses nacionais e descodernaria até mesmo as obras, pois estrada faria curva para atender cidades poderosas. A proposta pode até alegar que aproxima os representantes de sua base eleitoral, mas isso não é garantia nenhuma de melhoria. Aliás não tem nada mais próximo do cidadão que os vereadores e no entanto todos sabemos a vergonha que é.
Obtido em "http://pt-br.reformapolitica.wikia.com/wiki/Voto_Distrital"

LISTA FECHADA


Tramita no Congresso Nacional, com chances de aprovação até outubro, lei que determina o fundo público de campanha e o voto em lista fechada para cargo legislativo. O primeiro vou deixar para lá, apesar de não gostar de ver meu dinheiro usado na impressão de santinhos ou na confecção de camiseta e boné de políticos. Ficarei no segundo tema. Como tudo na vida, há vantagens e desvantagens e cada um que julgue por si. Não quero passar juízo de valor, a favor ou contra, bom ou mal, justo injusto, feio bonito, direita ou esquerda etc.


Este tipo de voto, de lista fechada, por incrível que pareça, é o mais adotado no mundo. Apenas Brasil e Finlândia usam a lista aberta, em que o eleitor vota no sujeito que faz parte de uma relação divulgada pelo partido ou coligação. Chama-se aberta porque é como se o eleitor tivesse uma lista à sua frente e pinçasse um nome lá de dentro na hora de votar ("vem cá meu fofo, é você que eu quero").

Portanto, se pode escolher é porque a lista está aberta. Se não pode, está fechada. Lembremos: este voto (fechado ou aberto) é sempre proporcional, porque se trata da escolha de representante legislativo. No Brasil, são os nobres e distintos deputados federal e estadual e vereador. Presidente, governador, prefeito e senador são escolhidos por outro tipo de voto, chamado majoritário, em que o mais sufragado (que palavra feia, mas está correta) leva, em um ou dois turnos.

Nosso sistema eleitoral, porém, é bastante democrático e flexível (tem gente que discorda, mas aí é outra discussão) ao permitir o voto proporcional de lista fechada quando o eleitor escolhe apenas o partido em vez do candidato. Então não é tanta novidade assim para nós. Já praticamos lista fechada, quando escolhemos a sigla, sem saber que tinha esse nome.


Na fechada, partido ou coligação realizam convenção e elaboram uma relação de seus candidatos em ordem de preferência. Se o partido/coligação obtiver voto suficiente para eleger um deputado ou vereador, este felizardo será o primeiro da lista. Se conseguir votos para fazer dois felizardos, os dois primeiros da relação serão eleitos. E assim por diante.


Existe a possibilidade teórica de a lista fechada reduzir o número de voto cacareco, aquele em que o eleitor vota num candidato famoso ou bonitão ou engraçado, folclórico, enfim. Esse sujeito às vezes ganha tanto voto que leva outros eleitos, com votação inexpressiva, juntos com ele e não há injustiça nisso, pois é a lei. Se alguém quiser eliminar essa situação derruba toda a lógica matemática do voto proporcional. É a regra do jogo. Quem entra sabe que isso pode acorrer. Como vocês viram, o candidato cacareco é muito usado para puxar votos. Ele aparece em toda eleição.


Na fechada, o partido/coligação escolhe seus melhores quadros. Teoricamente, usar o cacareco não tem sentido, pois o voto não é na pessoa. Por isso, provavelmente os escolhidos serão membros mais dedicados à causa partidária, mais expressivos dentro da agremiação. É até possível reduzir também a infidelidade partidária. Pessoal, tudo aqui é teórico. Não dá para ter certeza de nada, pois estamos falando de futuro e ainda mais num país complicado como o nosso, que distorce qualquer lógica.


Mas tem desvantagens. É possível que surjam oligarquias nacionais, estaduais e municipais, se os primeiros nomes da lista forem sempre os mesmos ou seus cupinchas. Outra desvantagem (e aqui entra a picaretagem do político brasileiro): os primeiros lugares da lista poderiam ser vendidos, rifados, trocados etc. Um candidato sério, mas sem prestígio na cúpula partidária, ficaria no pé da lista.


Então, gente, é uma decisão hercúlea escolher entre lista aberta ou fechada. Mesmo porque o nosso problema (agora vou opinar) não é o sistema eleitoral brasileiro (que, repito, é bastante democrático e bem-intencionado), mas a qualidade moral (e aqui entra tudo, caráter, cultura, conhecimento, honestidade, boa vontade etc) dos nossos eleito e eleitor. Volto ao tema outro dia, para explicar porque o nome cacareco, apesar que no Google é fácil achar. A história do cacareco é muito interessante. Inté.

sábado, 22 de agosto de 2009

POLÍTICA DOMÉSTICA


Política Doméstica e Acordos Comerciais Regionais: Como os Estados Unidos negociam




Daniel D. Guedes1

1. Introdução

Como os veto players (VPs) institucionais americanos afetam a capacidade do país em negociar acordos comerciais? É possível uma maior cooperação doméstica para fortalecer a posição do Executivo americano nas negociações internacionais? Se possível, como? Responderei essas perguntas mostrando que o fast track, uma forma de delegação de poderes legislativos ao Executivo, é um mecanismo de cooperação entre os atores institucionais domésticos que fortalece a posição relativa do Executivo americano nas barganhas internacionais. Esse mecanismo opera reduzindo os pontos de veto no sistema político americano e, dessa forma, aumentando a capacidade de barganha do país nas negociações internacionais.



Para chegar a essas conclusões, vejo a relação entre o Executivo e o Legislativo americanos a partir da perspectiva das barganhas em dois níveis. Na formulação da política comercial, vejo a relação Executivo – Legislativo usando a teoria dos veto players (TVP) desenvolvida por Tsebelis (1995). No jogo internacional, vejo a relação entre o Executivo americano e os países estrangeiros a partir dos jogos em dois níveis. Para isso, utilizo-me da obra de Putnam (1993).

Escolho comparar os Estados Unidos (EUA) e o Brasil por duas principais razões: porque capitaneiam os dois principais blocos econômicos do hemisfério ocidental, sendo necessária a concordância dos dois para a eventual formação de um bloco de livre-comércio continental; e porque têm diferentes processos de decision-making em política comercial. Nos EUA, ele é dividido entre o Congresso e o Presidente, ao passo que, no Brasil, pode-se considerá-lo como concentrado nas mãos do Executivo.

Parto dos pressupostos que todos os países desejam um acesso privilegiado ao mercado do outro enquanto procuram proteger seu mercado da concorrência e que todos desejam acesso ao privilegiado mercado americano. Devido ao seu decision-making concentrado nas mãos de um único ator, o Brasil está mais sujeito a fazer concessões aos EUA do que estes ao Brasil. Por sua vez, as restrições impostas pelo Congresso americano ao Executivo nas negociações internacionais reduzem a margem de concessões possíveis de serem feitas pelos EUA à outra parte na barganha. Entretanto, essa divisão de competências na política comercial americana pode ter o efeito adverso de levar a impasses e ao imobilismo devido ao processo político no Congresso americano. Como mostrarei, o fast track funciona como um acordo entre o Executivo e o Legislativo americanos através do qual o Congresso dota o Executivo com uma maior decisiveness em política comercial, fortalecendo assim a posição do negociador americano nas barganhas internacionais.

O artigo está dividido em quatro partes. Na próxima seção, resenharei a TVP. Por fim, mostro o como se dá o decision-making em política comercial no Brasil e nos Estados Unidos e o papel do fast track na política comercial americana. Na seção 4, concluo e teço considerações.

2. A teoria dos veto players

A TVP foi desenvolvida por George Tsebelis (1995), inovando ao permitir a comparação de estruturas políticas híbridas e combinações. Ela permite, e.g., comparar um sistema presidencialista unicameral multipartidário com um sistema parlamentarista bicameral bipartidário. Seu objetivo é prover um framework teórico consistente para comparações entre regimes, legislativos e sistemas partidários, evitando-se repetir o debate dicotômico. Nas dicotomias tradicionais, por exemplo, o Reino Unido e a Itália são parlamentaristas, opostos aos EUA presidencialista; ou o Reino Unido e os EUA são sistemas bipartidários, ao passo que a Itália é multipartidária. Em nenhuma análise tradicional os EUA e a Itália figurariam no mesmo lado, opostos ao Reino Unido. A TVP, contudo, permite agurpar os EUA e a Itália no mesmo grupo (países com vários VPs), contrapostos ao Reino Unido (país com VP único).

Tsebelis (1999) sustenta que sua teoria difere das outras teorias de política comparada em dois grandes aspectos: o primeiro é que a TVP tem por preocupação fundamental os resultados políticos para, a partir deles, fazer uma regressão rumo às características institucionais e partidárias responsáveis por esses resultados. O segundo aspecto é que ela aplica o mesmo framework institucional para a análise de regimes diversos e suas possíveis combinações.

A variável VPs permite que se possa estudar os diversos processos de decision-making político. Ela é derivada das instituições e do sistema político. O framework da TVP provê um mapa que incorpora as características do processo de decision-making em diferentes assuntos, em diferentes sistemas e em diferentes períodos. A lógica no processo de decision-making é que, para uma mudança no status quo ocorrer, uma quantidade de decision-makers deve concordar (Tsebelis 1995). Por esse framework teórico, diferentes sistemas políticos podem ser comparados a partir de três características relevantes dos VPs: seu número, sua congruência e sua coesão. A variável dependente da TVP é a capacidade de mudança política2. A estabilidade política na TVP é a ausência desse potencial de mudança política. A capacidade de mudança política se dá em função dessas três características dos VPs acima elencadas. Como predição normativa, a teoria diz que a estabilidade política leva à instabilidade do governo ou do regime (Tsebelis 1995).

2.1 Os veto players

A definição dada por Tsebelis (2002) é que os veto players são atores coletivos ou individuais cujo consentimento é necessário para uma mudança no status quo3 (Tsebelis 2002, p. 19). Assim, mudanças do status quo requerem a concordância desses atores com o poder de proibir. O conceito de VP, segundo Tsebelis (1995), vem da idéia de checks and balances da Constituição norte-americana e dos textos constitucionalistas do século XVIII. Tsebelis chama de veto players institucionais (VPIs) àqueles atores com poder de veto formal estabelecidos na Constituição. Como estão previstos na Constituição, são mais fáceis de serem contados. Nos EUA, há três VPIs: a House of Representatives, o Senado e o Presidente, posto que uma lei, para ser promulgada, precisa da aprovação desses três atores (Tsebelis 1995, 2000, 2002). Já os veto players partidários (VPPs) são gerados pelo jogo institucional e político de cada país e, assim, apresentam alguma dificuldade para serem identificados devido ao seu caráter contextual e temporário (Tsebelis 1995, 2002). Por exemplo, no sistema parlamentarista, a necessidade da concordância de um partido ou de vários (coalizão) para a modificação do status quo os transforma em VPPs.

Cada VP possui uma curva de indiferença. Essa curva diz que o VP é indiferente quanto às alternativas que tenham a mesma distância em relação ao seu ponto ideal. O winset do status quo (W(SQ)) é o conjunto de resultados que podem derrotar o status quo, i.e., que podem substituir a política atual. A área onde os winsets dos VPs se sobrepõem chama-se core4, que é o conjunto de pontos com winset vazio, isto é, são os pontos que não podem ser derrotados por qualquer outro ponto ao se aplicar determinada regra de decision-making. Quanto maior o core, maior o conjunto de pontos que não podem ser alterados e, conseqüentemente, maior a estabilidade política.

O tamanho do W(SQ) é um indicativo da estabilidade política. Quanto menor o W(SQ), menor a probabilidade de grandes mudanças no status quo, isto é, aumenta a probabilidade de que apenas mudanças incrementais ocorram. Quanto mais distante o status quo estiver dos VPs, maior será o W(SQ) e, portanto, menor será a estabilidade política. Quanto mais próximo o status quo for movido para perto de um VP, maior será a estabilidade política. Caso o status quo seja movido ainda mais e se situe entre os VPs, o W(SQ) será praticamente eliminado – ninguém terá quaisquer incentivos para deixar esse ponto de equilíbrio (Tsebelis 1995; 2002, pp. 21-23).

Os VPs podem ser classificados também como individuais ou coletivos no que se refere à quantidade de indivíduos que compõem o VP. Caso o poder de veto esteja concentrado nas mãos de uma única pessoa, o VP será individual. Por sua vez, se vários indivíduos forem necessários para formar a vontade do VP, ele será coletivo. O Presidente da República, por exemplo, é um VP individual, ao passo que o Senado e a Câmara dos Deputados são VPs coletivos.

2.2 As variáveis da teoria dos veto players

As variáveis independentes da TVP são a quantidade, coerência e a congruência dos VPs; a variável dependente é a estabilidade política.

A quantidade de VPs em um sistema é uma variável importante para se determinar a sua capacidade de produzir mudanças políticas significativas. Um aumento na quantidade de VPs e na distância ideológica entre eles reduz a capacidade de se produzir leis significativas5. Dependendo da composição do governo, ou das estruturas que produzem veto players, podemos ter tanto uma maior capacidade para mudanças (i.e., um sistema quantidade pequena de VPs) como uma estabilidade política (caso de um sistema com maior quantidade de VPs). Nunca, entretanto, será possível ter ambos ao mesmo tempo (Tsebelis 1999, p. 604). O número de VPs tem fortes implicações para o W(SQ). A adição de um novo VP poderá tanto deixar a estabilidade política no mesmo nível como aumentá-la, quer pela diminuição do W(SQ), quer pelo aumento do unanimity core, quer por deixá-los no mesmo estado (Tsebelis 2002, p. 25).

A adição de uma segunda câmara parlamentar com poderes formais de veto faz com que ela seja contada como VPI (Tsebelis 2002, p. 144). Essa segunda câmara pode ter ou não composição política similar à da outra câmara por razões diversas como a possibilidade de serem escolhidas por diferentes eleitorados (constituencies), sistemas eleitorais diferentes ou diferentes regras de decision-making (Tsebelis 2002, p. 144). Os EUA, diz Tsebelis, seriam um sistema tricameral, posto que é necessário o apoio de três VPIs: o Presidente e as duas Casas do Congresso (Tsebelis 2002, p. 144). Cada um dos três VPIs americanos representam também diferentes constituencies: o Presidente é eleito por uma constituency nacional, os representatives são eleitos por constituencies distritais e os senadores por constituencies estaduais. Os EUA são também um exemplo de sistema em que as Casas da Legislatura apresentam diferentes regras de decision-making. No Senado, há a regra do filibuster6, inexistente na House of Representatives. Por causa dessa regra, uma maioria qualificada de 3/5, ou 60 votos de uma composição de 100 cadeiras, será necessária para se aprovar uma lei no Senado, enquanto na House of Representatives é preciso apenas uma maioria simples.

A distância ideológica, ou congruência, dos VPs afeta a estabilidade política porque o aumento da distância entre os VPs diminui o W(SQ) e, conseqüentemente, a estabilidade política aumenta. A congruência aumenta quando a distância ideológica entre os atores ao longo de uma mesma linha diminui, fazendo com que o W(SQ) aumente de tamanho e a capacidade para mudanças também. (Tsebelis 1995; 2000, p. 448). Unidimensionalmente, a estabilidade política dependerá da distância ideológica máxima entre os VPs e não de sua quantidade (Tsebelis 1999, pp. 594-595).

A congruência dos VPs gera a regra da absorção, que se aplica na contagem do número de VPs (Tsebelis 1995, 1999, 2000 e 2002). Segundo essa regra, se A e C são parceiros em uma coalizão, a adição de B, um partido localizado entre A e C no espectro ideológico unidimensional, não afetará a capacidade de A e C de escolher os resultados, ou seja, B será absorvido. Dois VPIs com composições políticas distintas devem ser contados como dois jogadores distintos mas, se suas composições forem similar, eles são idênticos e devem ser contados como apenas um. É o caso, e.g., de uma mesma coalizão que tenha maioria nas duas Casas de um Legislativo bicameral. Via de regra, os VPPs devem ser contados individualmente, ao passo que VPIs podem ser absorvidos devido à congruência

A coesão é uma variável que diz respeito aos VPs coletivos. Ela mensura a similaridade de posições políticas dos atores que concorrem para formar a vontade de um VP coletivo. Tsebelis distingue entre coesão e disciplina partidária: a coesão se refere às diferentes posições antes de uma discussão e votação terem lugar internamente no partido e a disciplina partidária se refere à capacidade do partido em controlar o voto de seus membros no Parlamento (Tsebelis 1995).

A variável dependente da TVP é a estabilidade política, situação em que não há produção de legislação que promova alterações significativas no status quo. Por meio dessa variável, sistemas políticos distintos podem ser comparados segundo sua maior ou menor capacidade em promover mudanças. Normativamente, a TVP espera que a estabilidade política seja causada pela existência de vários VPs, por grandes distâncias ideológicas entre eles ou por altos coeficientes (thresholds) de maiorias qualificadas em VPs coletivos. Associados à estabilidade política estão fenômenos políticos importantes, como a duração do gabinete no poder, a judicialização da política ou a independência da burocracia. Um sistema que seja incapaz de produzir mudanças pode sofrer de instabilidade de governo ou de regime, bem como ver juízes e burocratas preenchendo o vácuo político deixado pelos legisladores e passando a exercer a atividade legislativa (Tsebelis 2000, p. 443).

Às vezes a estabilidade política pode ser desejável, às vezes mudanças políticas podem ser necessárias. O ponto de vista, diz Tsebelis, dependerá da posição do status quo. As instituições, diz ele, são “pegajosas7” e estão locadas em algum ponto no continuum estabilidade – mudança. As instituições que permitem mudanças podem levar também à alteração de um status quo desejável; as instituições que promovem a estabilidade, por sua vez, podem tornar difícil a alteração de um status quo indesejável (Tsebelis 2000, p. 443). Assim, a escolha do desenho institucional deve ser vista como um investimento, cercada de incertezas e com efeitos a curto e longo prazos (Tsebelis 1998). O potencial para mudança ou inércia do sistema em estudo será determinado pelas suas instituições. São as características institucionais do sistema que engendram as variáveis independentes utiliadas pela TVP. Por exemplo, um sistema parlamentarista unicameral com governo majoritário de partido único gerará apenas um VP, qual seja, o partido no poder. Esse sistema terá uma capacidade de mudança maior do que um sistema presidencialista com Legislativo bicameral e governo de ampla coalizão, que terá três VP institucionais e “N” VPPs, como no caso brasileiro. São essas particularidades de cada sistema quem determinará a sua capacidade de produzir mudanças políticas ou seu imobilismo.

2.4 Veto players e a política comercial

A TVP mostrou-se muito apropriada para o estudo da política comercial. Suas variáveis mostraram-se muito adequadas para o debate então travado. O impacto do governo dividido podia ser avaliado pela variável congruência dos VPs. Já a variável quantidade de VPs foi bastante empregada para o estudo da maior ou menor abertura comercial, fenômeno amplamente observado após o fim do bloco comunista no começo da década de 1990. A literatura concentrou-se em mostrar a relação entre os VPs e a abertura econômica.

Kotin (1999) explicou a variação nas barreiras não-tarifárias ao comércio testando o modelo da estabilidade política dos VPs. Ele corroborou as predições da TVP ao encontrar que a polarização dos VPs é importante elemento na estabilidade dessas barreiras. Minnich (2005) mostra que quanto mais a Constituição de um país dispersa poder entre várias instituições, i.e., quantos mais VPs houver, mais difícil será o policy-making e mais difícil será para o Estado aderir a organizações intergovernamentais. Para saber como as instituições domésticas afetam a forma pela qual o Estado responde aos fluxos econômicos, O’Reilly (2005) relaciona a fragmentação do Estado e os VPs, por um lado, com as mudanças em barreiras tarifárias e não-tarifárias, por outro. Isso se deveria ao fato que a habilidade dos grupos de interesse em influenciar a política é em função do número de pontos de veto. Quanto maior o número de pontos de veto (fragmentação) de um Estado, menores serão as alterações nas barreiras tarifárias e não-tarifárias.

Mansfield, Milner e Pevehouse (2004) concluíram que países com uma quantidade maior de VPs são menos propensos a formar acordos comerciais preferenciais (preferential trade agreements). Segundo eles, o aumento do número de veto players nunca ampliará (antes, freqüentemente diminuirá) o alcance dos acordos que satisfariam os países envolvidos na negociação internacional, dessarte reduzindo as possibilidades cooperação entre eles. A cooperação internacional em política comercial requer que os países alterem suas políticas, reduzindo suas barreiras ao comércio. Entretanto, isso tem conseqüências distributivas no plano doméstico: cria os “vencedores”, que ganham com a mudança na política, e os “perdedores”, que arcarão com os custos. O aumento do número de VPs faz com que a probabilidade da existência de pelo menos um VP representando as preferências dos “perdedores” aumente, tornando assim mais difícil a liberalização da política comercial. No mesmo sentido, Mansfield, Milner e Pevehouse (2005) encontraram que o aumento na quantidade de VPs reduz a propensão de Estados democráticos a aderirem a acordos de integração regional.

Henisz e Mansfield (2006) argumentam que os efeitos das condições macroeconômicas sobre a política comercial serão atenuados pelo aumento do número de pontos de veto. A deterioração das condições macroeconômicas, principalmente o desemprego, é uma fonte potencial de sentimentos protecionistas. Os governos democráticos serão menos responsivos às pressões sociais à medida que o número de pontos de veto na estrutura de policy-making do sistema político aumenta pois o resultado político deve situar-se em um ponto que agrade a todos os VPs. Entretanto, nas democracias estáveis com poucos pontos de veto, eles encontraram que altas taxas de desemprego levam a medidas protecionistas. Destarte, o aumento do número de pontos de veto faz com que mudanças na política comercial existente sejam mais difíceis.

3. Decision-making em política comercial no Brasil e nos Estados Unidos e os jogos em dois níveis

Nesta seção, trato do decision-making em política comercial nos Estados Unidos e no Brasil a partir da perspectiva da TVP e dos jogos em dois níveis (Putnam 1993). Putnam diz que a política externa tem seus determinantes domésticos e, para ser melhor entendida, deve levar em conta fatores como partidos políticos, classes, grupos de interesse, legisladores, opinião pública e até mesmo as próximas eleições (Putnam 1993, p. 433).

A política comercial de um país é produzida, por um lado, a partir da sua interação com outros países no plano externo e, por outro lado, por fatores domésticos. É neste último plano em que os países diferem. Nos EUA, a política comercial é fruto da interação entre o Executivo e o Legislativo. O Brasil, por sua vez, aproxima-se mais de um modelo unitário, em que o Presidente concentra poderes em matéria de política comercial.

Antes de introduzir o leitor às barganhas em dois níveis de Putnam (1993), é necessário explicar brevemente o que são relações agente-principal.

3.1 Relações agente – principal

A idéia central da relação agente – principal é a delegação. Nessa relação, uma pessoa ou grupo de pessoas (principal) delega a outra pessoa ou grupo de pessoas (agente) a autoridade ou responsabilidade sobre uma determinada tarefa ou assunto. A delegação envolve, assim, noções de autorização, accountability e responsabilidade. As relações de delegação permeiam toda a sociedade. Estão presentes tanto em relações de caráter estritamente privado e aparentemente simples, como o indivíduo (principal) que contrata um advogado (agente) para defendê-lo em juízo, ou o motorista (principal) que contrata um mecânico (agente) para consertar o motor de seu carro; como também estão presentes em relações de caráter público, como no caso do eleitor (principal) que delega ao seu deputado (agente) poderes para legislar em seu nome, ou o Congresso (principal) que delega ao Executivo (agente) poderes em determinadas áreas legislativas, como a política comercial.

O que há em comum nas diversas delegações é que o principal delega a um agente quer porque este tenha informação adequada, quer porque tenha preparação adequada. O maior problema na relação de delegação é como fazer com que o agente persiga da melhor forma possível o interesse do principal, isto é, que ele preste ao principal seus serviços da melhor maneira possível, dada a assimetria de informações existente entre o principal e o agente: Os principais possuem apenas informação imperfeita, ao passo que os agentes dispõem de informação, sabem quais são suas motivações reais para agir, conhecem os verdadeiros limites de suas capacidades e podem observar coisas que o principal não está apto a perceber (Przeworski 1998).

Przeworski (1998) dá o exemplo do freguês (principal) e do mecânico (agente). O mecânico conserta o carro do freguês. Caso o freguês tenha ficado satisfeito com os serviços do mecânico, pode voltar a contratá-lo; caso não tenha ficado satisfeito, pode optar por contratar um outro mecânico da próxima vez. Entretanto, quer o freguês tenha ficado satisfeito ou não, o mecânico sabe de muitas coisas que o freguês não sabe: se ele se empenhou no conserto do carro da melhor maneira possível, quanto tempo levou para executar o trabalho, quais os consertos que o carro necessitava. O mecânico foi contratado para defender os interesses do freguês da melhor forma possível, mas há uma assimetria de informações entre o freguês e o mecânico (Przeworski 1998, p. 45). É dessa situação de informação assimétrica que decorrem os problemas de comportamento oportunista, da seleção adversa e do risco moral.

Não é minha intenção neste trabalho discorrer sobre as relações entre agente e principal, isso seria mais concernente em um estudo sobre accountability. Entretanto gostaria de esclarecer ainda mais alguns pontos.

O primeiro é quanto à delegação e as relações entre o Executivo e o Legislativo. Moreno, Crisp e Shugart (2003) dizem que em democracias presidencialistas, caso da norte-americana, o Executivo e o Legislativo são ambos agentes do eleitor – principal. Não há uma relação de accountability (tomemos aqui accountability também em um sentido de sujeição) entre uma agência e outra. Entretanto, conquanto o Executivo não seja um agente do Legislativo, no sentido de derivar deste último a sua autoridade, ele pode ser agente do Legislativo quando este lhe delega a condução de uma tarefa específica como, por exemplo, a delegação de fast track para a condução da política comercial. Tal delegação é condicional e só continua caso o principal queira, podendo ser retirada do Executivo-agente por vontade discricionária do Legislativo-principal.

O segundo ponto que gostaria de abordar são os mecanismos de controle do principal sobre o agente, que será importante para a compreensão de como isso funciona no caso do fast track. De Bièvre e Dür (2005) dividiram os mecanismos de controle em ex ante e ex post. Os mecanismos de controle ex ante são:

“the provisions that define the legal instruments available to an agent and the procedures it must follow. Important are the time restraints that principals impose on the agents: Delegation can be permanent (…) or they can be temporary (…) as with negotiation mandates.” (De Bièvre e Dür, 2005, p. 1278).

Já os mecanismos de controle ex post são

“oversight procedures that allow principals to monitor, influence, and sanction agency behavior. Such ex post controls can take the form of oversight by specialized committees, of sitting in negotiation meetings, and of principals informing themselves of administrative decisions by the agent. (…) Ex post controls can also take the form of sanctioning, both positive and negative, such as failure to ratify international treaties negotiated by the agent, budgetary controls, appointments, new legislation or the threat thereof, or the revision of administrative procedures laid down in an agent’s mandate.” (De Bièvre e Dür, 2005, p. 1278).

3.2 Barganhas em dois níveis

As negociações internacionais trazem consigo uma peculiaridade: no plano externo, os países batalham para obter mais vantagens comerciais para si; no nível doméstico, grupos de interesse pressionam o governo para que adote medidas que lhes favoreçam e os políticos procuram maximizar sua habilidade em satisfazer a essas demandas domésticas no intuito de minimizar as possíveis conseqüências adversas resultantes do desdobramento das negociações externas. Entre os dois níveis está o Executivo, ator pivotal exposto às pressões domésticas e externas.

Putnam (1993) decompõe esse processo de barganhas em dois níveis em dois estágios: ele chama de Nível 1 a barganha entre negociadores internacionais no intuito de fazer um acordo internacional; as discussões em cada grupo de constituents (Legislativo) acerca da ratificação8 do acordo negociado com o país estrangeiro no Nível 1 são chamadas por Putnam de Nível 2. O procedimento de ratificação é que funciona tanto como o mecanismo que liga os Níveis 1 e 2 como também o que impõe restrições no Nível 1 (Putnam 1993, p.438).

A única restrição formal sobre a ratificação é que se o acordo negociado no Nível 1 sofrer emendas no Nível 2, as discussões no Nível 1 terão de ser reabertas, pois qualquer modificação no acordo negociado no Nível 1 é tratada como se fosse uma rejeição do acordo negociado no plano externo (Putnam, 1993a, p. 439).

Devido ao poder de ratificação do Nível 2, os contornos do seu winset são importantes para se entender os resultados obtidos no Nível 1. O winset de uma dada constituency do Nível 2 (no caso, o Legislativo) é o conjunto de pontos em que todos os possíveis acordos negociados pelo agente (no caso, o Executivo) no Nível 1 contam com a maioria necessária entre os constituents para serem aprovados quando submetidos a uma votação up or down (de seu texto por inteiro e sem emendas).

Putnam enumera duas razões pelas quais o winset do Nível 2 é importante para se entender os acordos do Nível 1: uma, é que winsets do Nível 2 mais amplos tornam mais prováveis acordos no Nível 1; a outra é que o tamanho relativo dos winsets do Nível 2 de cada parte negociante no Nível 1 afetará a distribuição dos ganhos conjuntos advindos da barganha internacional. (Putnam 1993, p. 439 e p. 441).

Para o acordo negociado poder ser aprovado pelas partes contratantes, ele deve situar-se onde os winsets do Nível 2 de cada uma delas se sobrepõem.Quanto mais amplo forem os winsets, mais provavelmente eles se sobreporão. Por exemplo, um acordo bilateral entre os EUA e o Brasil, para ser bem-sucedido, deverá localizar-se onde os winsets do Senado americano e os das duas Casas do Congresso Nacional brasileiro se sobrepõem9. Um pequeno winset do Nível 2 pode, todavia, ser uma vantagem para o negociador no Nível 1, já que ele pode usar o argumento de que “nunca conseguirá que esse acordo seja aprovado por sua Legislatura” (Putnam 1993, p. 442).

O tamanho do winset é importante também para se entender a diferença entre a não-ratificação por defecção voluntária e a não-ratificação por defecção involuntária. A primeira é conseqüência da recusa por parte dos negociadores do Nível 1 em não firmar o acordo devido à ausência de contratos auto-obrigatórios. A defecção involuntária, por sua vez, só pode ser entendida no framework dos jogos em dois níveis. Quanto menor forem os winsets, maior será a probabilidade de ocorrer uma defecção involuntária (Putnam 1993, p. 441). Isso porque a probabilidade de que os winsets se sobreponham será menor, ficando assim reduzido o espaço para acordos aceitáveis pelo Nível 2. Destarte, o tratado será recusado não por causa do negociador, mas sim porque o acordo negociado no Nível 1 está localizado fora do winset do Nível 2.

O tamanho do winset é influenciado por três importantes fatores: as preferências e coalizões no Nível 2, as instituições do Nível 2 e a estratégia do negociador no Nível 1.

Quanto mais heterogêneas (ou faccionais) forem as preferências dos constituents, mais os efeitos do acordos negociados no Nível 1 serão suportados desigualmente entre eles. Assim, é de se esperar que os constituents cujos interesses serão mais atingidos pelo acordo oponham-se à sua ratificação. Dessa forma, acordos internacionais podem encontrar resistência doméstica tanto entre os que acham que o acordo foi amplo demais como entre os que acham que ele não foi amplo o suficiente10. No caso de preferências homogêneas, quanto mais concessões o negociador conseguir no Nível 1, maiores serão as chances de se conseguir a ratificação no Nível 2. Isso porque o negociador (agente) que se confronta com conflitos homogêneos no plano doméstico depara-se com o problema de lidar com as expectativas de seus principais no sentido de conseguir maiores concessões da outra parte. Nesses casos, o negociador no Nível 1 tem a vantagem de sempre poder usar os seus “hawks” (linha-dura) como ameaça crível para extrair maiores concessões do negociador da outra parte (Putnam 1993, p. 445).

A autonomia do Executivo-negociador também é um fator importante. Putnam diz que quanto maior for a autonomia dos decision-makers centrais em relação aos seus principais do Nível 2, maior será o winset do Nível 1, o que leva a um aumento da probabilidade de se conseguir um acordo internacional. É bom lembrar que o negociador também é efetivamente um VP em relação ao acordo possível. Ainda que o acordo em negociação se localize dentro do winset do Nível 2, é improvável que o acordo seja concluído com a oposição de quem o negocia11. Paradoxalmente, quanto mais forte a posição do negociador em termos de autonomia com relação às pressões domésticas, mais fraca será a sua posição relativa na barganha internacional. Os negociadores de países democráticos podem fazer ameaças mais críveis de que as suas forças domésticas se oporão ao acordo em negociação do que seus pares representantes de países ditatoriais, que não podem contar com esse trunfo (Putnam 1993, p. 450). Outra característica institucional importante são os procedimentos de ratificação no Legislativo. Uma votação que requeira maioria simples provavelmente gerará um winset maior do que se uma maioria de dois terços for requerida (Putnam 1993, p. 448).

Por fim, temos que a estratégia do negociador no Nível 1 também afeta o tamanho do winset. Quanto mais forte for a posição do negociador no plano interno, maiores serão as chances de se conseguir a ratificação do acordo negociado. E quanto mais alto for o status do negociador, mais os negociadores da outra parte contratante preferirão negociar com ele. Isso se deve ao fato que um chefe de governo, por exemplo, tem à sua disposição uma quantidade maior de side payments e de boa-vontade no plano doméstico do que um negociador de escalão mais baixo (Putnam 1993, p. 452). Como o winset de um negociador de escalão mais alto é menos restrito e esse negociador está em uma posição mais forte junto aos seus principais, os acordos que ele firmar serão mais críveis do que os assinados por um negociador de escalão inferior.

3.3 Decision-making em política comercial no Brasil

A característica marcante no decision-making da política comercial brasileira são os poderes discricionários do Presidente. Ao contrário dos Estados Unidos, onde o Presidente não tem poderes constitucionais para alterar tarifas comerciais, no Brasil o Presidente pode unilateralmente alterar as alíquotas do Imposto de Importação, principal instrumento de protecionismo tarifário. O Presidente brasileiro é, assim, um ator com maior decisiveness em política comercial do que o Presidente americano12.

Nos sistemas presidencialistas, o Presidente deriva seu poder da sua capacidade de emitir decretos e do seu poder de decision-making na área de política externa e em alguns outros assuntos (Tsebelis 2002, pp. 82 e 112). Alguns sistemas presidencialistas, entretanto, podem atribuir poderes de agenda ao Presidente, fazendo com que o sistema se assemelhe, de certa forma, a um parlamentarismo. O caso brasileiro é objeto de controverso debate em torno de sua governabilidade13.

Para Barry Ames (2003), a estrutura institucional brasileira criou um grande número de VPs, o que dificulta a saída do status quo indesejável. Ames calculou para o Brasil no período de 1986 a 1998 a existência de uma média de 4,6 VPs14 (Ames 2003, p. 34). Ames atribui o excesso de VPs no Brasil ao federalismo associado com o presidencialismo e o sistema eleitoral. O sistema eleitoral é a principal causa do grande número de VPs, pois o sistema de representação proporcional de lista aberta brasileiro permite a personalização da política e enfraquece os partidos, aumentando o número de VPs. Por isso, Ames diz que os presidentes brasileiros carecem de uma base de sustentação com suficiente estabilidade para assegurar até mesmo uma maioria simples e, devido à proliferação de pequenos partidos e à indisciplina partidária, eles precisam construir uma coalizão muito mais ampla do que uma simples maioria.

Por outro lado, Figueiredo e Limongi identificaram que a exclusividade de iniciativa legislativa do presidente em determinadas matérias, o poder presidencial de expedir medidas provisórias e a prerrogativa presidencial de requerer urgência permitem ao presidente controlar a agenda legislativa. Além disso, o Colégio de Líderes, com seus poderes de requerer urgência e controle sobre as nomeações para as comissões, confere aos líderes partidários considerável controle sobre suas bancadas. Dessa forma, a cooperação entre o presidente e os líderes partidários através de acordos de coalizão (acordos em que o presidente troca o apoio legislativo por cargos no gabinete) permite a emergência de governos eficazes (Figueiredo e Limongi, apud Amorim Neto 2006, pp. 127-132)15.

Amorim Neto, Cox e McCubbins (2003) estudaram o “parliamentary agenda cartel” na Câmara dos Deputados brasileira. “Agenda cartel” é o termo que cunharam para o mecanismo pelo qual a agenda parlamentar é estabelecida primeiramente dentro do cartel e depois imposta à assembléia. No “parliamentary agenda cartel”, cada partido membro do cartel tem o poder de vetar itens da agenda e a imposição à assembléia se dá tanto através de poderes extraordinários conferidos ao governo como pela mobilização da disciplina partidária pelos integrantes do cartel (Amorim Neto, Cox e McCubbins 2003, p. 550-551). Governos efetivamente majoritários “cartelizam” a agenda legislativa. Ao contrário de Ames e de Figueiredo e Limongi, Amorim Neto, Cox e McCubbins mostram que as maiorias legislativas brasileiras não se formam nem atomisticamente (Ames) nem consistentemente (Figueiredo e Limongi). O padrão de governança brasileiro depende, antes, da escolha feita pelo presidente. Nos governos Sarney, Collor e Franco, houve a opção por governar mais através de decretos. No governo Fernando Henrique Cardoso, houve a formação de um “agenda cartel”, centrado na legislação ordinária e na formação de gabinetes majoritários (Amorim Neto 2006, pp. 143-146; Amorim Neto, Cox e McCubbins 2003, p. 578).

Ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil o estabelecimento de alíquotas do Imposto de Importação – principal instrumento de protecionismo comercial – é área de competência do Executivo brasileiro. Esse imposto foi um dos principais mecanismos da industrialização pelo processo de substituição de importação, adotado pelo Brasil em meados do século passado. Machado (2007) aponta sua função predominantemente extrafiscal (proteger a indústria nacional), o que levou o Imposto de Importação a ser colocado como uma das exceções aos princípios da anterioridade16 e da legalidade17, permitindo-se assim que o Executivo o mantenha adequado aos seus objetivos das políticas cambial e de comércio exterior (Machado 2007, pp. 325-328). Assim, esse instrumento protecionista pode ser majorado a qualquer momento pelo poder Executivo através de seu poder de emitir decretos.

O desenho institucional brasileiro estabelecido na Constituição de 1988 reflete uma longa tradição de intervenção estatal na economia. Na política comercial, pode-se considerar o decision-making como unitário, dependendo apenas da vontade do Executivo para a mudança do status quo no que concerne à maior ou menor abertura do mercado doméstico via tarifas aduaneiras. O presidente brasileiro foi dotado, assim, com grande decisiveness nessa área. Contudo, isso tem a desvantagem de impedir que, em barganhas comerciais internacionais, o negociador brasileiro use o argumento de que “isso não será aceitável para o meu Congresso” para não reduzir tarifas aduaneiras. Enquanto no caso americano é necessário levar-se em consideração a restrição imposta pelo winset do Congresso sobre o winset do negociador, no caso brasileiro o importa apenas o winset do Executivo. Dessa forma, o winset do negociador brasileiro é menos restrito que o do negociador americano e este poderá explorar o winset mais amplo do Brasil para arrancar maiores concessões.

3.4 Decision-making em política comercial nos Estados Unidos

Ao contrário do Brasil, o decision-making em política comercial nos EUA é compartilhado entre o Executivo e o Legislativo. A Constituição americana de 1787 foi a primeira no mundo a introduzir o controle Legislativo no processo de conclusão dos tratados (Mello 2001, p. 222). O desenho institucional americano deu ao Congresso amplos poderes em matéria de comércio exterior. O Art. 1, Seção 8, da Constituição norte-americana confere ao Congresso o poder de regular o comércio com nações estrangeiras18 e o Art. 2, Seção 2, concede ao Senado o poder de decidir sobre tratados e nomeações de embaixadores19 – o que lhe confere, assim, a condição de veto player em matéria de política exterior.

Entretanto, essas prerrogativas do Congresso dos EUA, criadas para o exercício dos controles de checks and balances, podem levar a impasses entre o Legislativo e o Executivo. Elas fazem com que a produção e condução da política exterior sejam produto de uma relação mais ampla entre o Executivo e o Legislativo, levando às vezes à confusão entre assuntos próprios da política doméstica e assuntos concernentes à política externa. A política externa, contudo, lida com outros atores estrangeiros, dessa forma sendo também fruto da relação entre o país nacional (representado pelo Chefe do Executivo) e o país estrangeiro. Assim, a Administração americana se vê envolvida em um jogo de dois níveis: internamente, concorre com o Congresso na formulação da política comercial; externamente, relaciona-se com os outros países ao representar os negócios públicos americanos.

Na política externa, não são as instituições domésticas norte-americanas quem se relaciona com outros países. São os EUA, como se fossem um ator unitário, quem interage com outros países, os quais não têm obrigação de esperar que os atores políticos domésticos americanos cheguem a um acordo sobre o que fazer. Um correto balanceamento entre a supervisão congressual e a capacidade de tomada de decisões pelo Executivo se faz necessário para que o sistema funcione combinando controle de checks and balances e decisiveness do Executivo.

3.4.1 Restrições institucionais

Na democracia presidencialista americana, apesar da separação constitucional de poderes, o Executivo divide parcela significativa do policy-making em política exterior com o Legislativo. Devido aos checks and balances que os poderes exercem sobre as ações políticas uns dos outros, uma iniciativa de política externa que envolva um comprometimento importante requererá que Executivo e Legislativo trabalhem em conjunto.

Rockman (2000) diz que o sistema político americano foi desenhado para frustrar estrategistas. Na defesa da liberalização comercial o Presidente tem, todavia, uma vantagem sobre o Congresso, posto que ele está em melhor posição para atuar com uma perspectiva de interesse nacional a longo prazo e está menos sujeito às fortes pressões vindas das constituencies. Ele afirma que o Congresso não tem comprometimento real com a política externa, posto que demanda muito tempo e energia e tem praticamente nenhum pay-off político. Enquanto o Presidente deve se preocupar com o bem-estar de uma constituency nacional, os congressistas preocupam-se com o bem-estar de suas constituencies paroquiais. O Congresso americano trataria a política externa como uma extensão do front doméstico, tentando transplantar para a agenda de política internacional assuntos de política doméstica (Rockman 2000, pp. 142-143).

Clark e Nordstrom (2005) sustentam que as forças democráticas, especialmente as associadas à accountability eleitoral e às restrições institucionais, delimitam os cálculos do Executivo acerca da política externa. O Executivo americano enfrenta restrições estruturais (de natureza constitucional) e dinâmicas (originárias do processo político). No caso das restrições dinâmicas, governos com amplo leque partidário em sua coalizão deparam-se com vários VPs potenciais, constrangendo assim a atuação do governo. Uma grande participação popular na política é, também, uma restrição à ação do Executivo, pois aumenta a sua accountability.

Para Mallaby (2000), os checks and balances impostos pela Constituição americana sobre o Executivo enfraquecem sua capacidade de policy-making em política externa. Mesmo os Presidentes mais hábeis encontram dificuldades para passar um tratado no Senado. Se o governo estiver dividido, a prática obstrucionista do Congresso se torna a norma. Como evidência, aponta a dificuldade para se aprovar no Senado as indicações feitas pelo Executivo. Além do fator Congresso obstrucionista, Mallaby diz que a perda da coesão partidária, a crítica feroz da imprensa e as incansáveis pesquisas de opinião pública erodem a capacidade de liderança do Executivo.

O desenho institucinal americano de 1787 impôs várias restrições sobre o Executivo em matéria de política externa, restrições essas que, hoje, numa época em que se faz mister a celeridade do processo decisório nessa campo, o tornam vagaroso e assaz dependente da boa vontade do Congresso. Mostrarei que o fast track surge como uma solução institucional para a resolução desse impasse.

3.4.2 Delegação – as constituencies, o Congresso e o presidente

Nos EUA, Congresso e Presidente representam diferentes constituencies e buscam, cada qual, maximizar o bem-estar delas. O Presidente, eleito por uma constituency nacional, deve pensar no bem-estar de todos os cidadãos. Os congressistas americanos, por sua vez, são eleitos por constituencies distritais (representatives) e estaduais (senadores) e buscam pork-barrel para suas respectivas constituencies. Como representam constituencies diferentes, os interesses do Executivo e do Legislativo podem se chocar, levando a impasses.

Sherman (2002a) elenca três fatores por que o Congresso delega a política comercial ao Executivo: competência, preferência e informação. O primeiro fator deve-se ao fato de que o Congresso não é seguramente competente o suficiente para resolver seu problema de ação coletiva e tampouco o Congresso é constitucionalmente autorizado (competente) para conduzir negociações internacionais. A amplitude da delegação varia na razão em que as preferências entre os dois poderes forem mais ou menos convergentes ou divergentes. Por fim, a rede de agências do poder Executivo que atua nas negociações internacionais mantém-no informado sobre as diferentes posições acerca de política comercial dos diversos governos estrangeiros. Os congressistas incorreriam em altos custos de oportunidade políticos se quisessem dedicar seu tempo para colher informações sobre as preferências em política comercial de vários governos estrangeiros. Assim, essa assimetria de informações também funciona como um incentivo para o Congresso delegar a política comercial ao Executivo.

Conquanto as constituencies imponham restrições, elas podem ser usadas para fortalecer a posição do negociador no Nível 1. Para arrancar maiores concessões de sua contraparte na negociação, o negociador no Nível 1 poderá argumentar que tem de lidar com grupos de interesse privados bem-organizados no nível doméstico, cujo apoio para a aprovação do tratado é necessário. Essa predição da teoria de Putnam foi confirmada por Hira (2002) ao estudar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) como um jogo em dois níveis. A ALCA teria um forte impacto na agricultura norte-americana porque a maior parte dos países da América Latina são exportadores de produtos primários. Contudo, embora a agricultura não seja um dos maiores empregadores nos EUA, ela está estrategicamente localizada no Meio-Oeste e no Sudeste, o que dá ao lobby da agricultura um importante peso no Senado, tornando assim mais difícil a aprovação da ALCA nessa Câmara.

A delegação da política comercial ao Executivo pode ser também uma forma de resolver um problema de ação coletiva do Congresso.

Lohmann e O’Halloran (1994) apresentam um modelo que procura capturar sob que condições o Congresso delega ao presidente poderes em política comercial. Elas sustentam que o Congresso delega ao presidente para resolver um problema de ação coletiva. Isso se deveria ao fato que os congressistas se preocupam apenas com os custos e benefícios do protecionismo em relação aos seus próprios distritos eleitorais, ignorando as externalidades negativas que o protecionismo causa aos distritos eleitorais dos outros. A informação incompleta no logrolling distributivo ineficiente dos congressistas levaria, assim, a altos níveis de protecionismo. O processo de logrolling, dizem Lohmann e O’Halloran, faz com que um congressista não se oponha à legislação protecionista do outro com medo de sofrer retaliações. Para superar essa situação, os legisladores delegam a política comercial ao presidente, que tem um eleitorado nacional e, dessa forma, deve levar em consideração as perdas e ganhos de todos os distritos eleitorais. Ao contrapor as perdas e ganhos marginais de cada distrito, o presidente está apto a chegar a um resultado mais eficiente do que o Congresso, deixando os próprios congressistas em uma situação melhor com o resultado de seus cálculos.

De Bièvre e Dür (2005) argumentam que os legisladores delegam em política comercial para obter, ao mesmo tempo, proteção para os interesses ligados ao setor importador-competidor (import-competing) e acesso aos mercados estrangeiros para o setor exportador. Eles pressupõem que as demandas dos eleitorados são heterogêneas, resultado de uma combinação dos setores exportador e importador-competidor. Quando se deparam com o dilema de ter de representar ambos os interesses, os legisladores individuais, enfrentando altos custos de transação por terem de atender a demandas opostas em seus distritos, delegam autoridade em política comercial ao agente (Executivo). Isso serve tanto à necessidade funcional de reduzir os custos de transação a nível individual como também a nível coletivo, já que diminui a freqüência com que os legisladores terão de coordenar suas posições potencialmente conflitantes (De Bièvre e Dür 2005, p. 1275).

Delega-se também por causa da existência de um corpo técnico especializado, com visão de longo prazo e mais independente em relação às oscilações da opinião pública.

Tratando da despolitização do policy-making, Blinder (1997) sugere que a divisão dos trabalhos no policy-making melhora o desempenho político ao delegar decisões específicas a pessoas melhor preparadas para fazê-lo. Ele enumera três fatores pelos quais determinadas decisões políticas pertencem ao âmbito da burocracia ou ao âmbito da política: a importância relativa da experiência versus julgamentos de valor, a importância de uma perspectiva de longo prazo e efeitos gerais versus efeitos particulares. O fast track, diz Blinder, seria um exemplo prático da despolitização do decision-making. Como há muitas questões em jogo e a política rotineira do Congresso trataria dos pontos individuais do acordo em negociação, ao invés de tratá-lo como um todo (o que deixaria o negociador americano em uma posição insustentável), o Congresso delega a autoridade de fast track ao Executivo e se restringe apenas a votar a favor ou contra o acordo por inteiro.

Os legisladores, sempre pensando em sua sobrevivência política nas próximas eleições, estão mais preocupados com políticas públicas de cunho redistributivo, que lhes proporcione ampla publicidade e tenham efeitos perceptíveis a curto prazo. Engajar-se na política externa significa despender tempo e recursos na colheita de informações e esperar por resultados a um horizonte temporal mais amplo. Dificilmente os legisladores terão a política externa como prioridade. É melhor delegar essa política ao Executivo, que tem a seu dispor o corpo técnico-diplomático para a obtenção de informações e para planejamento de longo prazo. Ademais, os legisladores preocupam-se com os interesses de seus eleitorados particulares, ao passo que o Executivo deve ter em mente os interesses de sua única constituency nacional.

3.4.3 Governo dividido e a amplitude da delegação

Na terminologia da TVP, o governo dividido quer dizer que dois atores institucionais com poder de veto têm preferências diferentes (Tsebelis 1999, 2002). Tsebelis (1999) diz ser devido a essa discordância entre os veto players que seu argumento se aproxima do exposto pela literatura sobre governo dividido, qual seja, que a produção de leis significativas (significative legislation) será menor no caso do governo estar dividido20 (Tsebelis 1999, p. 592). Por significative legislation entenda-se a legislação que traz inovações que não sejam apenas incrementais. Nos EUA, diz Tsebelis (2002), o governo dividido é construído não por causa da necessidade dos três VPs institucionais estarem de acordo, mas sim por causa da regra de filibuster no Senado, um impeditivo de que legislações sem o apoio de ambos os partidos (Republicano e Democrata) sejam aprovadas no Senado (Tsebelis 2002, p. 157). Isso se deve ao fato de que o aumento no threshold em VPs coletivos que decidem por maioria qualificada faz com que mais decision-makers individuais tenham de concordar com a mudança no status quo, o que leva ou a um aumento na estabilidade política ou, pelo menos, faz com que permaneça a mesma (Tsebelis 2002, p. 54). O processo legislativo (lawmaking) só é possível nos EUA porque os partidos não são coesos pos, se fossem, somente as leis com apoio de ambos os partidos (bipartisan bills) seriam aprovadas (Tsebelis 2002, p. 85).

Um lugar comum nos estudos sobre a política comercial americana é aceitar que os Presidentes têm favorecido a liberalização do comércio no período do pós-guerra e que o Congresso é mais protecionista. Na década de 1990, iniciou-se acirrado debate sobre governo dividido e política comercial com após Mayhew (1991) ter concluído que o governo dividido não tinha muita importância para a produção política. Isso foi contestado por Lohmann e O’Halloran (1994). Para elas, a delegação da política comercial pelo Congresso ao Executivo seria afetada pelo fato do governo se encontrar dividido ou não. Elas apresentaram um modelo em que, no caso do governo estar dividido, o Presidente tenderia a favorecer as constituencies de seu partido. Isso faria com que o partido majoritário no Congresso delegasse poderes em política comercial ao presidente com maiores restrições no intuito de forçá-lo a levar em consideração as pressões protecionistas do partido majoritário. Já no caso do governo unificado, os poderes da delegação seriam maiores e, dessa forma, o Presidente poderia negociar um acordo comercial mais abrangente. Por essa perspectiva, governos divididos seriam mais protecionistas.

Sherman (2002a), contrariamente, sustentou que o governo dividido levou a tarifas mais baixas no período do pós-guerra. O Congresso delegará menos poderes quando as preferências do Executivo forem divergentes das suas. As preferências do Congresso e do Executivo são mais parecidas quando o governo está dividido do que quando está unificado. Ele mostrou que os Presidentes filiados ao Partido Democrata são menos protecionistas do que os Presidentes vindos do Partido Republicano. Paradoxalmente, no Congresso o Partido Democrata é mais protecionista e o Republicano mais liberal. Ele diz que a tese de Lohmann e O’Halloran que o governo dividido leva a um maior protecionismo é inconsistente com a suposição que o Presidente é menos protecionista do que o Congresso (Sherman 2002b, p. 1177). A delegação do Congresso para a Administração será menor quanto maior for a divergência entre as preferências do Legislativo e do Executivo. Dessa forma, a delegação de poderes para se liberalizar a política comercial pode ser maior sob um governo dividido, dependendo da distância entre as preferências do Presidente e as do legislador mediano.

Karol (2000) diz que, devido ao “presidential liberalism” no período do pós-guerra, as generalizações feitas sobre os efeitos do governo dividido na política comercial americana são infundadas porque os partidos políticos diferem apenas na extensão em que apóiam a liberalização comercial, porque os Presidentes americanos no período do pós-guerra têm favorecido a abertura comercial e porque os membros do Congresso sabem que delegar autoridade ao Presidente resultará em liberalização comercial. Conseqüentemente, o apoio congressual à autoridade presidencial vem de seus interesses na liberalização comercial (Karol 2000, p. 826). Karol encontrou nos governos do pós-guerra um padrão em que os presidentes do partido mais protecionista (Democrata) ganham com o governo dividido, já que eles podem contar com o apoio da oposição (republicana) na liberalização do comércio, ao passo que os presidentes do partido mais liberal (Republicano) perdem com o governo dividido (Karol 2000, p. 842). Dado esse “liberalismo presidencial”, os presidentes tendem a se alinhar com o partido mais favorável ao livre comércio, mesmo que esse partido seja o da oposição. Em nenhum caso o governo dividido impedirá a liberalização comercial. O máximo que pode acontecer é a preservação da política existente (Karol 2000, p. 829).

Milner e Rosendorff (1997) abordaram o impacto do governo dividido e das eleições periódicas sobre a abertura comercial. Para eles, pode haver insucesso na ratificação do tratado caso haja eleições entre a conclusão do acordo internacional e o processo de ratificação. As eleições periódicas forçam o Executivo a especular qual será a composição da Legislatura quando da época da ratificação, ou seja, o Executivo deve negociar no momento t um acordo que seja aceitável no momento t + 1. Essa incerteza faz com que o Executivo se veja incapaz de antecipar a preferência do legislador mediano e isso torna a ratificação menos provável. Com relação ao governo dividido, esses autores dizem que esse fato leva a um maior protecionismo porque a necessidade de ratificação pela Legislatura faz com que os resultados da negociação internacional se aproximem mais do ponto ideal do Congresso, assumido como sendo mais protecionista que o Presidente.

Zeng (2002) estudou a eficiência das ameaças diplomáticas na política comercial norte-americana21 e sustenta que o governo dividido pode passar para o país que negocia com os EUA a impressão de que o negociador norte-americano se encontra em posição desfavorável, fazendo com que ameaças de retaliação comercial dos EUA percam credibilidade e eficiência. Uma ameaça precisa ser ratificável para ser crível. Se o país-alvo da ameaça percebe que as preferências do Executivo e do Legislativo são próximas, ele verá que a ameaça tem maiores possibilidades de ser aprovada e implementada. Assim, quanto mais próximos estiverem os dois poderes, maior será a credibilidade da ameaça norte-americana (Zeng 2002, p. 103).

3.4.4 Fortalecendo o negociador e superando o veto – o fast track

A Constituição dos EUA dá ao Presidente o poder de negociar e fazer tratados com países estrangeiros, mas não lhe dá poderes para estabelecer tarifas, a não ser que receba autorização do Congresso para isso – o que tem sido feito freqüentemente desde a década de 1930. O Reciprocal Trade Agreement (1934) autorizou o presidente a negociar reduções recíprocas de tarifas e implementá-las por decreto (proclamation). Em 1962, nas negociações da Rodada Kennedy do GATT, o Congresso concedeu ao presidente autorização para negociar reduções tarifárias e eliminar certas tarifas. Não estavam incluídos nessa autorização, todavia, poderes para negociar as barreiras não-tarifárias. Na Rodada Kennedy, o Presidente, mesmo sem fast track para negociar barreiras não-tarifárias, chegou a acordos acerca de duas importantes barreiras não-tarifárias: O American Selling Prices e um conjunto de regras concernentes ao dumping. A rejeição desses acordos pelo Congresso colocou os negociadores norte-americanos em uma posição delicada, pois eles seriam vistos como incapazes de conseguir a aprovação doméstica para os acordos por eles negociados. Com o aumento da importância das discussões sobre barreiras não-tarifárias nas negociações comerciais internacionais, fez-se necessária uma delegação de poderes mais abrangente.

Na década de 1970, percebeu-se que o processo de ratificação de tratados americano inibia a negociação internacional devido à possibilidade de se votar cada item do acordo negociado no Nível 1 (Putnam 1993, p. 449). Acordos comerciais envolvem vários itens, sobre os quais podem recair diversos interesses. Grupos de pressão se mobilizam no Congresso e, se este votar o acordo ponto por ponto ou emendá-lo, a posição dos negociadores externos americanos fica insustentável. Os legisladores, para atender a interesses paroquiais de suas constituencies, podem desfigurar o acordo negociado pelo Executivo e o país estrangeiro, reduzindo assim a confiança de outros países na capacidade de negociação do representante americano. É necessário que haja um único negociador (agente) representando todas as constituencies do país, representando e falando pelos interesses do país como um todo, assegurando a outra parte na negociação internacional de que ela não precisará barganhar com cada um dos indivíduos que compõem o principal (cada congressista).

Em 1974, o Trade Expansion Act22 concedeu ao Presidente poderes para negociar também as barreiras não-tarifárias e previa um processo legislativo diferenciado para a implementação interna do acordo negociado no Nível 1. Essa é a atual configuração do fast track. Ele surgiu como uma saída institucional a fim de superar as barreiras institucionais nas relações entre o Executivo e o Legislativo dos EUA. Ele pode ser definido como um acordo entre o negociador (Executivo) e seu principal (Legislativo) para reforçar a posição relativa do negociador na barganha internacional através do conhecimento prévio do winset do principal.

O procedimento de fast track soluciona um problema de ação coletiva entre o Congresso e o Executivo na feitura da política comercial. Ao Congresso, serve porque aumenta a informação que lhe é disponibilizada pelo Executivo. Em troca, o Congresso concede ao Executivo poderes para negociar barreiras comerciais e se compromete a votar em tempo o acordo por inteiro, sem emendá-lo, dessa forma aumentando a decisiveness do Executivo e fortalecendo sua posição relativa nas barganhas comerciais.

Pelo fast track, o Congresso abre mão de seu poder de propor emendas e restringe-se a votar a favor ou contra o acordo negociado no Nível 1 por inteiro. O Congresso também se compromete a ter um processo legislativo mais célere para implementar internamente as normas criadas pelo tratado e a estabelecer um prazo-limite para votar essa legislação. O presidente, por sua vez, compromete-se a perseguir objetivos especificados pelo Congresso nas negociações internacionais (padrões trabalhistas, de meio-ambiente, etc.) e a encaminhar um projeto de lei (bill) para a implementação do acordo no ordenamento interno juntamente com um rationale para seu entendimento.

O fast track, todavia, não é um cheque em branco passado para o Executivo. É uma delegação altamente condicionada. Como mecanismos de controle, o Legislativo poderá supervisionar o Executivo através do acompanhamento congressual das negociações, da participação na missão comercial e das consultas com o Executivo. Ainda, o Congresso também possui o poder de impor sanções sobre o Executivo, como a cassação da autoridade de fast track e a não-ratificação do tratado.

O mecanismo de fast track fortalece o negociador americano em duas frentes: no plano interno, os custos de transação entre o Executivo e o Legislativo serão reduzidos porque o Executivo não precisará se empenhar na construção de uma aliança para a aprovação do acordo negociado no Nível 1, posto que já recebeu, de certa forma, uma “aprovação prévia” para os acordos que sejam concluídos dentro dos limites preestabelecidos pelo Congresso na delegação de fast track. No plano externo, o fast track permite ao negociador saber com maior precisão até onde poderá fazer concessões à outra parte na barganha devido ao conhecimento prévio do winset de seu constituent do Nível 1. Ainda, o fast track reduz o risco de que o acordo não seja ratificado pelo Congresso, o que tem o efeito de aumentar a verossimilhança do comprometimento do negociador internacional americano e, assim, reduzir a necessidade de side payments compensatórios.

Como vimos anteriormente, os resultados das negociações no Nível 1 só serão ratificados se também estiverem contidos no winset do Nível 2. Para que um acordo internacional seja possível, ele precisa não só estar localizado na área em que os winsets dos negociadores dos países A e B se sobrepõem, mas também na área em que seus winsets e os winsets de seus constituents domésticos se sobrepõem, caso haja necessidade de ratificação por esses atores domésticos. O winset do Nível 2 funciona como uma restrição do winset do Nível 1. O constituent do Nível 2 – o Legislativo – é um VP coletivo e o tamanho do seu winset é em função das regras de votação. Quanto maior o coeficiente estabelecido pela regra de votação para a formação da vontade do VP coletivo, maior será a quantidade de decision-makers individuais que precisarão entrar em acordo e menor será o espaço para acordos, isto é, menor será o winset do VP coletivo. Por possuir dispositivos limitando os debates parlamentares, o fast track inibe a prática do filibuster no Senado. Ao conter a prática do filibuster, o fast track leva o Senado a não se comportar como uma instituição supermajoritária, haja vista que o filibuster requer maioria qualificada de 3/5 dos senadores para a cassação da palavra (cloture). Inibindo-se o filibuster, evita-se a necessidade dessa maioria qualificada de 3/5, reduzindo-se destarte a quantidade de decision-makers necessários para formar a vontade do VP coletivo, o que aumenta o winset desse ator coletivo e, conseqüentemente, amplia o espaço para acordos possíveis.

Quando o procedimento de fast track impede a votação do tratado por itens, ele evita não só a prática de logrolling, como também a possibilidade de que o acordo negociado no Nível 1 seja desfigurado no Nível 2. Os legisladores só poderão apreciar o mérito do acordo como um todo, restando prejudicada a prática de logrolling em torno dos dispositivos do acordo. O impedimento do logrolling tem efeitos importantes tanto no plano interno como na arena internacional. Domesticamente, ao não permitir que uma votação ponto por ponto desfigure o acordo negociado internacionalmente pelo Executivo, o procedimento de fast track reduz tanto o poder de veto do Legislativo como também os custos de transação entre o Legislativo e o Executivo. No plano externo, a redução do receio de que o acordo será desfigurado pelo Congresso terá o efeito de aumentar a confiança depositada pelo negociador estrangeiro no seu parceiro americano. A garantia de que o tratado não sofrerá alterações pelo Congresso e a maior probabilidade de sua aceitação doméstica reduzem a incerteza da outra parte contratante e, conseqüentemente, a demanda de side payments pela outra parte na negociação internacional para compensar sua situação de incerteza (Putnam 1993, p. 453).

As Figuras 4 e 5 ilustram a importância de se saber o winset do Nível 2:

B*_________[N3______B1]___[N2_________B2]_____[N1_______N*

Figura 4: Acordos possíveis sem considerar o winset do Congresso

B*_________[N3 _____B1]___[N2___[C2___ B2]_____[N1__[C1___N*___C*

Figura 5: Acordos possíveis considerando o winset do Congresso

Na Figura 4, as possibilidades de acordo estão situadas onde os winsets do negociador americano (N) e do país estrangeiro, no caso, o Brasil (B), se sobrepõem, ou seja, no intervalo localizado entre N3 e B2. A ordenação das preferências para o Brasil é B*≻B1≻B2 e para o negociador americano é N*≻N1≻N2≻N3. O acordo negociado no Nível 1 precisará, todavia, ser aceito pelo Nível 2, ou seja, pelo Congresso. O espaço para acordo, assim, não será necessariamente o intervalo compreendido entre N3 e B2, dado que o winset do Legislativo americano não está sendo levado em consideração. Há um grande espaço para acordos entre o negociador americano e o brasileiro, mas permanece a incerteza quanto à sua aceitação pelo Congresso. Na Figura 5, foi introduzido o Congresso americano (C) e seu winset. A ordenação das preferências do Congresso é C*≻C1≻C2 O Brasil é assumido como possuindo um único winset (o do Executivo, que pode per se alterar as tarifas comerciais). Assumindo-se que o presidente americano (negociador) é menos protecionista do que o Congresso, o ponto ideal deste situar-se-á mais à direita de N*. Destarte, a margem real para acordos estará localizada no intervalo compreendido entre C2 e B2, intervalo no qual os winsets do negociador americano, do Congresso americano e do Brasil se sobrepõem. Acordos em pontos mais à direita de B2 serão inaceitáveis para o Brasil e acordos localizados mais à esquerda de C2 não serão aceitos pelo Congresso americano, conquanto ainda estejam localizados no winset do Executivo americano.

O fast track permite ao Executivo americano negociar um acordo que se situe mais próximo de seu ponto ideal do que na sua ausência. Ao estabelecer seus objetivos a serem perseguidos na negociação internacional pelo Executivo na delegação de fast track, o Congresso revela o seu winset ao negociador (o Executivo), que saberá com maior precisão até onde pode fazer concessões e poderá usar com maior verossimilhança o argumento de que “o acordo não será aceito em casa”. Como o negociador sabe previamente que seu winset, o do país estrangeiro e o do Congresso se sobrepõem apenas no intervalo localizado entre C2 e B2, ele pode usar a restrição imposta pelo winset do Congresso para puxar o acordo para um ponto mais próximo a N*, já que, para ser possível, o acordo terá de se localizar no intervalo compreendido entre C2 e B2, intervalo no qual o winset do Nível 2 (Congresso) se sobrepõe ao winset do país estrangeiro. Além disso, o conhecimento do winset do Congresso reduz o risco de defecção involuntária porque o acordo negociado se localiza fora do winset do Congresso.

Dessa forma, o fast track possibilita ao negociador norte-americano a conclusão de acordos comerciais que se localizem mais próximos de seu ponto ideal, podendo-se assim obter maiores concessões da outra parte na barganha internacional. Em uma situação na qual o winset do Nível 2 não fosse anteriormente conhecido, a ameaça da não-ratificação pelo Congresso poderia soar para a outra parte como um blefe. Poderia, também, levá-la a exigir que o negociador norte-americano assegurasse previamente poderes para entrar em negociações (Putnam 1993, p. 442). O fast track atua, assim, como um instrumento que fortalece a posição do negociador norte-americano nas barganhas internacionais.

4. Conclusão

O desenho institucional de um país pode levar à criação de múltiplos pontos de veto, pontos esses que podem levar a impasses. Em política comercial, o aumento da quantidade de atores com poder de veto resulta em uma menor cooperação internacional (Kotin 1999; Mansfield, Milner e Pevehouse 2004 e 2005; Minnich 2005). Dessa forma, quanto mais fragmentado o Estado for, maior a probabilidade de que as políticas existentes sejam mantidas (O’Reilly 2005; Henisz e Mansfield 2006). Entretanto, antes de se fazer uma alteração no desenho institucional do Estado, é possível fazer acordos dentro de seu contexto institucional para se superar os pontos de veto e, assim, aumentar a agilidade no processo de tomada de decisões e a possibilidade de adoção de novas políticas, isto é, de se abandonar o status quo.

A política comercial brasileira tem por característica sua centralização no Executivo. O presidente é dotado de grande decisiveness no tocante à abertura do mercado interno. Isso porque ele tem poderes para alterar tarifas alfandegárias por decreto. A política comercial americana, por sua vez, é feita de maneira fragmentária. O Executivo e o Legislativo americanos têm suas competências específicas nessa área. Ao presidente cabe a condução da política externa e ao Congresso cabe a regulação do comércio exterior. Levando-se em conta que o Congresso é composto por duas Casas, ambas com poder de veto, são três os veto players institucionais envolvidos na política comercial norte-americana. Quanto maior o número de veto players, menores as possibilidades de mudanças na política vigente.

O Executivo norte-americano via-se em posição delicada ao negociar acordos comerciais internacionais. A forma como se dá o compartilhamento da política comercial tira-lhe muita decisiveness. Além disso, o Congresso é um ator ativo na política comercial. A necessidade da ratificação dos acordos internacionais pelo Congresso pode causar incertezas à outra parte na negociação internacional. Essa situação de incerteza pode levar a outra parte na negociação internacional a demandar side payments do negociador americano, que se vê forçado a oferecer garantias de que conseguirá uma coalizão doméstica que apóie a ratificação do acordo. Para fortalecer sua posição nas barganhas internacionais, o Executivo precisava que o Congresso lhe delegasse maiores poderes em política comercial. A forma de colaboração veio sob a forma do fast track, com seus efeitos de reduzir os custos de transação nos planos interno (através da inibição do filibuster e do logrolling) e externo (aumentando a credibilidade das promessas americanas).

Desde o século passado, os acordos comerciais bilaterais e multilaterais aumentam, tanto em quantidade como em importância. A Organização Mundial do Comércio e os blocos comerciais regionais, como o Mercosul, a União Européia, o NAFTA e, quiçá, a ALCA são exemplos disso. O acesso ao privilegiado mercado norte-norte-americano é cobiçado por muitos países, mas, por outro lado, os norte-americanos também querem maior acesso aos mercados domésticos de seus parceiros. Concessões mútuas precisam ser feitas. Saber como funciona a dinâmica das relações entre o Executivo e o Legislativo norte-americanos ajuda a entender como o colosso norte-americano negocia. Entender como o colosso norte-americano negocia é fundamental para os países que querem aumentar seu acesso ao gigantesco mercado do grande vizinho do Norte.



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RESUMO

Política Doméstica e Acordos Comerciais Regionais: Como os Estados Unidos negociam

O comércio é fundamental para o bem-estar de uma nação. Os países latino-americanos são muito dependentes do mercado dos Estados Unidos. Dessa forma, compreender corretamente como os Estados Unidos negociam é questão de fundamental importância para a América Latina. Acordos comerciais recentes entre os Estados Unidos e países latino-americanos foram negociados sob o procedimento de fast track. Neste artigo, mostro como o procedimento de fast track dá uma vantagem aos Estados Unidos sobre seus parceiros em negociações internacionais. Uso a teoria dos veto players de George Tsebelis para argumentar que o fast track representa um acordo doméstico entre os poderes Executivo e Legislativo dos Estados Unidos para reduzir o poder de veto do Congresso em relação a assuntos comerciais. Uso os jogos em dois níveis de Robert Putnam para mostrar que esse acordo entre essas instituições americanas tem o efeito de aumentar o poder de barganha dos Estados Unidos em negociações comerciais internacionais. Como exemplo, comparo o policy-making de política comercial entre o Brasil e os Estados Unidos. Enquanto no Brasil o policy-making de política comercial está concentrado no poder Executivo, nos Estados Unidos ele é dividido entre os poderes Executivo e Legislativo. Como mostrarei, isso fortalece a posição relativa dos Estados Unidos em barganhas comerciais.